Abuso
espiritual:
Quando o perigo está no púlpito da igreja
Para alguns evangélicos, estar na
igreja se transformou numa experiência dolorosa que os tem levado para cada vez
mais longe da presença de Deus
Se o mundo jaz no maligno, a Igreja do Senhor Jesus na terra
deveria ser uma porta de esperança para os aflitos. Um hospital para os doentes
da alma. Uma fonte de amor para os rejeitados e sofridos. Deveria ser a
expressão da vontade de Deus neste mundo. Deveria, mas nem sempre é.
Infelizmente, há casos – e não
poucos – em que muitas congregações se perdem no propósito de servir a Deus.
Carregadas por líderes tiranos, manipuladores e dominadores, elas se tornam
terrenos férteis para todo tipo de abuso espiritual – um termo ainda pouco
debatido na teologia, mas muito conhecido e doloroso para quem dele se torna
vítima.
Especialistas definem o abuso
espiritual como o uso da posição de liderança ou de poder para seduzir,
influenciar e manipular as pessoas a fim de alcançar interesses próprios. Quem
pratica é muito hábil para passar a impressão de que aquilo que querem é do
interesse de Deus e de Sua obra, quando, na realidade, é para satisfazer o ego.
Já quem é vítima desse sistema pode demorar anos para se libertar e carregar
por um bom tempo as marcas de dor, tristeza e revolta por ter sido abusado. Há
quem forme grupo de autoajuda na internet, outros procuram psicólogos,
terapeutas e psicanalistas, há quem se afaste da igreja e de Deus, e há casos
extremos em que muitos fiéis entram em depressão, desenvolvem doenças graves e
chegam até a cometer suicídio.
A terapeuta familiar Anna Eliza
Simonetti conhece a fundo esse drama. Atendendo a muitas famílias evangélicas,
ela já pôde perceber que a figura da liderança está sempre muito presente nos
relatos que levam seus clientes ao consultório.
Inspiração
Feridos em Nome de Deus”, que após
seis anos de seu lançamento já vendeu mais de 20 mil cópias. Ela também relatou
sua experiência pessoal na obra. “Fui membro de uma igreja durante 10 anos. De
um dia para o outro, surgiram denúncias de abuso de autoridade contra um dos
pastores, muitos o acusavam de manipulação, abuso financeiro e daquilo que
denominei de abuso espiritual. No começo ficamos atônitos. O livro nasceu
assim”, lembrou.
Segundo sua pesquisa, o tipo mais
comum de abuso é o financeiro, quando o líder utiliza a Bíblia para se
autofavorecer. “Muitas pessoas que são abençoadas pelo pastor querem retribuir
com presentes. É natural. O problema é quando isso passa dos limites e quando o
líder passa a se ver como merecedor desses agrados e começa até a pedi-los.
Sugiro no livro que os estatutos das igrejas contemplem um código de ética que
defina um valor para esses presentes. Seria um jeito de proteger o próprio
pastor”, disse Marília.
E ela completa: “Os assédios
emocional e espiritual são mais sutis. O pastor humilha o fiel diante da
congregação, tratando-o como um rebelde, um insubmisso, apenas porque ele ousou
questionar um pensamento”. Todo tipo de abuso espiritual é oriundo de três
fontes: a necessidade de poder, a necessidade de fama e a necessidade de
dinheiro. Não é em nome de Deus que isso acontece, mas em nome desses três
deuses. Tais líderes procuram apresentar a instrução num formato baseado no
terrorismo. Começam as imposições, que nada têm a ver com a Bíblia. Então, a
pessoa que não possui fundamento doutrinário fica prisioneira ao que ouviu
impositivamente. Já atendemos pessoas que deixaram de frequentar esse
tipo de congregação. Saíram de ministérios assim, por conta dos direcionamentos
autoritários ou amedrontadores. As pessoas precisam de ajuda psicológica e serem
acolhidas amorosamente para se sentirem livres. Afinal de contas, Jesus nos diz
que, se conhecermos a verdade. A busca por fama, dinheiro e poder não é
exclusiva das lideranças de hoje. A Bíblia está repleta de exemplos de
autoridades religiosas, até porta-vozes de Deus, que sucumbiram a esse desejo.
Um episódio se passa no Evangelho de Mateus (20:20-21), quando a mãe dos
discípulos Tiago e João pede a Jesus que, com a chegada do Reino, seus dois
filhos pudessem “se assentar” um à esquerda e outro à direita, numa tentativa
de ter autoridade sobre os outros.
No entanto, Jesus foi rápido para
ensinar que o modelo, no Reino de Deus, não era esse: “Sabeis que os
governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre
eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre
vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será
vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate por muitos”, afirmou Jesus (Mateus
20:24-28).
O apóstolo Pedro também deu uma
orientação semelhante, em sua primeira epístola: “Apelo aos presbíteros que há
entre vocês (…) pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados.
Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não
façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores
dos que lhe foram confiados, mas como exemplo para o rebanho” (1 Pe 5:1-3).
“Precisamos buscar ambientes
saudáveis, com uma teologia contextualizada, que faça uma leitura do mundo
baseada na graça, no amor, no perdão, olhando sempre para Jesus. Precisamos
combater a idolatria ao líder a todo custo. Pastores são seres humanos como
nós, falíveis, fracos, e precisam ser tratados como tal ..Hoje, talvez neste
momento, há muitos que se encontrem debaixo desse jugo do abuso espiritual.
Reconhecer essa condição é o primeiro passo para os que buscam se livrar desse
tipo de relacionamento. Decidir se libertar e perdoar os abusadores pode ser um
processo difícil e demorado, mas é ele que conduz à liberdade que Cristo
conquistou na cruz para cada um de nós.
Que Deus nos ajude cada dia mais e
nos abençoe
Carlos Antônio Pereira de oliveira