segunda-feira, 1 de novembro de 2010

AS CRISES DE DESÂNIMO DO MINISTRO


AS CRISES DE DESÂNIMO DO MINISTRO

Como está registrado que Davi, no calor da batalha, abateu-se, assim se pode escrever de todos os servos do Senhor. Crises de depressão acometem a maioria de nós. Animados como possamos ser normalmente, a intervalos temos que ser derrubados. O forte nem sempre está vigoroso, o sábio nem sempre é expedito, o bravo nem sempre é corajoso, e o alegre nem sempre está feliz. Pode ser que existam aqui e ali homens de aço a quem o ralar e o rasgar não causam nenhum dano perceptível, mas por certo a inércia desgasta mesmo a estes; e quanto aos homens comuns, o Senhor sabe e os faz saber que não passam de pó.
Sabendo pela mais penosa experiência o que significa uma profunda depressão de espírito, sendo visitado por ela freqüentemente e a intervalos não demorados, achei que poderia ser consolador para alguns dos meus irmãos se partilhasse meus pensamentos sobre isso para que os mais jovens não imaginem que algo estranho lhes acontece quando tomados em alguma ocasião pela melancolia; e para que os mais deprimidos saibam que a pessoa sobre quem o sol está brilhando jubilosamente nem sempre andou na luz.
Não é necessário provar com citações de biografias de ministros eminentes que a maioria deles, senão todos, passou por períodos de terrível prostração. A vida de Lutero poderia ser suficiente para dar mil exemplos, e ele não era de modo nenhum do tipo mais fraco. Seu espírito grandioso esteve muitas vezes no sétimo céu da exultação, e com igual freqüência às bordas do desespero. Nem mesmo seu leito de morte ficou livre de temporais, e ele soluçou no seu último sono como um fatigado menino grande. Em vez de multiplicar casos, demoremos nas razões pelas quais estas coisas são permitidas. Por que será que os filhos da luz andam às vezes em trevas espessas? Por que será que os arautos da alvorada às vezes se acham numa noite que vale por dez?
Não será primeiro porque são homens? Sendo homens, estão enquadrados na fraqueza e são herdeiros da tristeza. Com acerto disse o sábio nos textos apócrifos de Eclesiástico 40:1-5,8:
"Grande fardo foi imposto a todos os homens, e um pesado jugo posto sobre os filhos de Adão, desde o dia em que eles saem do ventre da mãe até ao dia da sua sepultura (em que eles entram) no seio da mãe comum de todos. Os seus cuidados, os sobressaltos do coração, a apreensão do que esperam, e o dia em que tudo acaba (perturbam-nos a todos), desde o que está sentado sobre um trono de glória, até àquele que jaz abatido na terra e na cinza; desde aquele que está vestido de púrpura e traz coroa, até ao que se cobre de linho cru. Tudo é furor, inveja, inquietação, perplexidade, temor da morte, rancor obstinado e contendas. Isto acontece a todos os viventes, desde os homens até aos animais, mas para os ímpios é sete vezes pior".
A graça nos protege de grande parte disso, mas devido não termos maior porção da graça, continuamos sofrendo até males que poderiam ser evitados. Mesmo sob a economia da redenção, é mais que evidente que temos que suportar debilidades; de outra forma não haveria necessidade do prometido socorro do Espírito nessas circunstâncias. É preciso que às vezes enfrentemos durezas. Aos homens de bem foram prometidas tribulações neste mundo, e os ministros podem esperar maior parte do que outros, para aprenderem a simpatizar com o sofredor povo do Senhor, e assim possam ser aptos pastores de um rebanho enfermo.
Poderiam ter sido enviados espíritos desencarnados para proclamarem a Palavra, mas não teriam penetrado os sentimentos dos que, estando neste corpo, gemem deveras, sobrecarregados que estão; os anjos poderiam ter sido ordenados evangelistas, mas os seus atributos celestiais os teriam incapacitados para terem compaixão dos ignorantes; poderiam ter sido modelados homens de mármore, mas a sua natureza impassível seria um sarcasmo para a nossa fragilidade e uma zombaria das nossas necessidades. Foi a homens, e homens sujeitos às paixões humanas, que o sapientíssimo Deus escolheu para serem os Seus vasos de bênçãos; daí estas lágrimas, estas perplexidades, estas quedas.
Além disso, na maioria somos, de um modo ou de outro, fisicamente defeituosos. Aqui e ali encontramos um ancião que não se lembra de que alguma vez tenha sido posto de lado. Mas a grande maioria de nós trabalha com uma ou outra forma de deficiência do corpo ou da mente. Certas doenças do corpo, principalmente as relacionadas com os órgãos do aparelho digestivo, o fígado e o baço, são tremendas fontes de desânimo, e, lute o homem quanto puder contra tais influências, haverá momentos e circunstâncias em que por algum tempo o vencerão. Quanto às doenças mentais, haverá alguém que seja inteiramente são? Não estamos todos um pouco fora do equilíbrio? Mentes há que parecem ter um matiz sombrio essencial á sua própria individualidade. Pode se dizer deles:
"A melancolia os marcou para si"; mentes finas aliás, e governadas pelos princípios mais nobres, mas muito inclinadas a olvidar o alvor da prata e a lembrar somente a nuvem. Homens assim podem cantar com o poeta:
"Partido o coração, harpas desafinadas,
por música, suspiros e gemidos,
são nossas canções para a melodia das lachrymae,
que a pele e ossos estamos reduzidos"
Thomas Washbourne.

Estas enfermidades podem não ser infensas à carreira do homem de especial valor; pode até ser que lhe sejam impostas pela sabedoria divina como necessária habilitação para o seu peculiar curso de serviço. Algumas plantas devem as suas qualidades medicinais ao pântano em que crescem; outras ás sombras de que dependem para florescer. Há frutos preciosos que vicejam graças à lua, bem como graças ao sol. Os barcos precisam de vela e também de lastro; puxar uma carreta não é difícil quando a estrada desce morro abaixo. Provavelmente em muitos casos foi a dor que desenvolveu o gênio, dando caga à alma que de outra forma poderia ter ficado a dormir como um leão em sua cova. Não fosse por sua asa quebrada, alguns poderiam ter-se perdido nas nuvens, até mesmo alguns daqueles pombos seletos que agora trazem nas suas bocas o ramo de oliveira e mostram o caminho para a arca.
Mas quando no corpo e na mente há causas que predispõem ao abatimento do espírito, não é para espantar-nos se em momentos tenebrosos o coração sucumba a elas; o que causa espanto em muitos casos é – e se se pudesse pôr por escrito a vida interior, os homens poderiam ver que é assim – como alguns ministros não largam do seu trabalho de jeito nenhum, e ainda trazem um sorriso no rosto. A graça continua tendo os seus triunfos, e a paciência os seus mártires; mártires em nada menos dignos de honra porque as chamas atingem os seus espíritos mais do que os seus corpos, e a sua fogueira é invisível aos olhos humanos. Os serviços ministeriais de Jeremias são tão aceitáveis como os de Isaías, e mesmo o rabugento Jonas é um verdadeiro profeta do Senhor, como Nínive pôde bem perceber.
Não desprezem os coxos, pois está escrito que eles pegam a presa; honrem, porém, aqueles que, em seu desalento, prosseguem ainda. Lia, de olhos tenros ou baços, foi mais frutífera do que a formosa Raquel, e as aflições de Ana foram mais divinas do que a vanglória de Penina. "Bem-aventurados os que choram", disse o Varão de Dores, e que ninguém os repute diferentemente quando as suas lágrimas vêm temperadas pela graça. Temos o tesouro do evangelho em vasos de barro, e se no vaso houver um defeito aqui e ali, que ninguém se espante.
Quando empreendemos a nossa obra fervorosamente, tomamo-nos vulneráveis à depressão. Quem pode agüentar o peso das almas sem às vezes afundar no pó? As entranhadas aspirações pela conversão dos homens, se não plenamente satisfeitas (e quando são?), consomem de angústia e desapontamento a alma. Ver os interessados irem por água abaixo, os piedosos se esfriarem, os crentes professos abusarem dos seus privilégios, e os pecadores ficarem mais descarados – ver estas coisas não é suficiente para esmagar-nos contra o solo? O Reino não vem como queremos, o venerável Nome não é santificado como desejamos, e por isso temos que chorar. Como podemos sentir-nos doutro modo se não entristecidos, enquanto os homens não crêem em nossa mensagem, e não se revela o braço do Senhor? Todo trabalho mental tende a cansar-nos e a deprimir-nos, pois o muito estudo enfado é da carne; mas o nosso trabalho é mais que mental – é do coração, é labuta do íntimo da nossa alma.
Quantas vezes, nas noites do dia do Senhor, nós nos sentimos como se a vida se nos esvaísse por completo! Depois de despejar as nossas almas sobre os nossos ouvintes, sentimo-nos como um jarro vazio que uma criança poderia quebrar. Provavelmente, se fôssemos mais semelhantes a Paulo, e velássemos pelas almas numa proporção mais nobre, saberiam.os melhor o que é ser consumido pelo zelo da casa do Senhor. É nosso dever e nosso privilégio esgotar as nossas vidas por Jesus. Não nos compete sermos espécimes vivos de homens em fina conservação, mas, sim, sacrifícios vivos, destinados a serem consumidos; cabe-nos gastar e gastar-nos, e não banhar-nos em alfazema e mimar a nossa carne. Esse trabalho de alma que um fiel ministro realiza produz ocasionais períodos de exaustão, quando o coração e carne falham. As mãos de Moisés ficaram pesadas na intercessão, e Paulo clamou: "E para estas coisas quem é idôneo?" Mesmo João Batista parece ter sofrido suas crises de desânimo. e os apóstolos ficaram cheios de assombro e tiveram angustioso medo.
A nossa posição na igreja também conduz a isto. Um ministro plenamente habilitado para o seu trabalho normalmente será em si mesmo um espírito que está acima, além e à parte dos demais. O mais afeiçoado dentre o seu povo não pode penetrar os seus pensamentos, cuidados e tentações peculiares. Nas fileiras militares os homens andam ombro a ombro, com muitos companheiros, mas conforme o oficial sobe na hierarquia, os homens da sua posição vão sendo cada vez em menor número. Há muitos soldados, poucos capitães, menos coronéis, mas somente um comandante-em-chefe. Assim, em nossas igrejas, o homem que o Senhor eleva como líder vem a ser, no mesmo grau em que é homem superior, homem solitário. Os picos de montanhas ficam solenemente isolados e falam a sós com Deus quando Ele visita as suas terríveis soledades. Os homens de Deus que se elevam acima dos seus semelhantes mantendo mais íntima comunhão com as realidades celestiais, em seus momentos de maior fraqueza acham falta da simpatia humana. Como seu Senhor no Getsêmani, buscam em vão receber conforto dos discípulos que dormem ao seu redor; choca-os a apatia do seu pequeno grupo de irmãos, e voltam para a sua agonia secreta com uma carga muito mais pesada a premi-los, porque encontram dormindo os seus mais caros companheiros.
Ninguém senão quem a suportou conhece a solidão de uma alma que ultrapassou os seus irmãos, em dedicação ao Senhor dos Exércitos; ela não se atreve revelar-se, temendo que os homens chamem-na de loucura; não consegue ocultar-se, pois um fogo queima seus ossos. Somente diante do Senhor ela acha repouso. A comissão do Senhor enviando os Seus discípulos dois a dois põe de manifesto que Ele sabia o que havia nos homens; mas, para um homem como Paulo parece que não se achou parceiro. Barnabé, Silas, Lucas eram montes baixos demais para poderem conversar com uma sumidade tipo Himalaia como o apóstolo dos gentios. Esta solidão que, se não me engano muitos dos meus colegas experimentam, é fértil fonte de depressão; e os nossos encontros fraternais de ministros, e o cultivo de santo intercâmbio com as mentes afins, com a bênção de Deus nos ajudarão grandemente a escapar do lago.
Pouca dúvida pode haver de que os hábitos sedentários tendem a produzir desânimo em alguns temperamentos. Burton, em sua Anatomy of Melancholy (Anatomia da Melancolia), tem um capítulo sobre esta causa do abatimento; e, citando um dentre miríades de autores de cuja contribuição se serve, diz:
"Os estudantes negligenciam os seus corpos. Os outros homens olham por suas ferramentas: o pintor lava os seus pincéis; o ferreiro cuida do malho, da bigorna e da forja; o lavrador conserta os ferros do seu arado e afia o seu machado, se estiver cego: o falcoeiro ou caçador terá especial cuidado dos seus falcões, cães, cavalos etc.; o músico aperta e desaperta as cordas do seu alaúde, afinando-o – somente os estudiosos negligenciam o instrumento (quero dizer, os seus cérebros e os seus espíritos) que usam diariamente."
Disse bem Lucan: "Não torça demais o cordão para que não arrebente". Ficar sentado muito tempo numa só posição, com os olhos fitos num livro, ou movendo uma caneta, é, em si mesma, fatigante à natureza; mas, acrescentem-se a isto um quarto mal ventilado, um corpo que passou muito tempo sem exercício muscular, e um coração sobrecarregado de preocupações, e teremos todos os elementos necessários para arranjar um fervente caldeirão de desespero, principalmente nos sombrios meses de cerração:
"Quando o dia é envolto num manto,
quando a mata insalubre goteja,
e a folha se incrusta na lama".
Se um homem for de natureza alegre como um pássaro, dificilmente poderá manter-se assim ano após ano contra esse processo suicida. Fará do seu escritório uma prisão e de seus livros carcereiros de um presídio, enquanto do lado de fora da sua janela a natureza acena-lhe com a vida saudável e chama-o para a alegria. Aquele que esquece o zumbir das abelhas na urze, o arrulho dos pombos selvagens na floresta, o canto dos pássaros no arvoredo, o ondular do regato por entre o junco, e os lamentos do vento entre os pinheiros, não tem por que se espantar caso o seu coração olvide cantar e sua alma fique pesarosa. Passar um dia respirando o ar fresco das montanhas, ou fazer uma excursão na umbrosa tranqüilidade das copadas faias, servirá para varrer as teias de aranha das cabeças cheias de vincos dos nossos fatigados ministros que já andam meio mortos. Uma tragada de ar marinho, ou uma firme caminhada contra o vento, não dará graça à alma, que é o que há de melhor, mas dará oxigênio ao corpo, coisa que vem em segundo lugar.
"Coração pesaroso em ar pesado está;
todo vento que sobe, a angústia expulsará."
As samambaias e os coelhos, os ribeiros, as trutas, os abetos e os esquilos, as primaveras e as violetas, o terreiro da fazenda, o feno recém-colhido, e os lúpulos fragrantes – todas essas coisas são o melhor remédio para os hipocondríacos, os mais seguros tônicos para os decadentes, a melhor restaurarão dos que sofrem estafa. Por falta de oportunidade, ou de inclinação, estes grandes remédios são negligenciados, e o estudante vai se tornando uma vítima auto-imolada.
As ocasiões mais propícias para as crises de desânimo, na medida em que eu as tenho experimentado, podem ser resumidas num breve catálogo. Dentre elas devo mencionar em primeiro lugar a hora de grande sucesso. Quando um desejo há muito tempo acalentado finalmente se cumpre, tendo Deus sido grandemente glorificado por nosso intermédio, havendo-se alcançado grande triunfo, então estamos sujeitos a desfalecer. Talvez se pudesse imaginar que, em meio a favores especiais, a nossa alma pairaria nas alturas do êxtase e se regozijaria com júbilo indescritível, mas o que se dá geralmente é o inverso. Raramente o Senhor expõe os Seus guerreiros aos perigos da exultação pela vitória. Ele sabe que poucos deles podem suportar um teste desses e, portanto, quebra-lhes a taça com rigor. Vejam Elias depois de ter caído fogo do céu, depois de terem sido mortos os sacerdotes de Baal, depois que a chuva alagou a terra árida! Para ele nada de notas de música de autocomplacência, nada de pavonear-se como um conquistador em roupagens de vitorioso. Ele foge de Jezabel, e, sentindo a repulsão do seu distúrbio intenso, suplica pedindo para morrer. Aquele que nunca haveria de ver a morte anseia pelo repouso do sepulcro, como César, o monarca do mundo, em seus momentos de pesar chorava como uma menina doente.
A pobre natureza humana não pode agüentar tensões como as que advém das vitórias celestiais; tem que sobrevir uma reação. O excesso de alegria ou de emoção tem que ser pago com depressões subseqüentes. Enquanto uma provação dura, a força é igual à emergência; mas quando passa, a fraqueza natural reivindica o direito de mostrar-se. Sustentado secretamente, Jacó pode lutar a noite inteira, mas tem que coxear de manhã, depois de concluída a peleja, para que não se gabe além da medida. Paulo pode ser arrebatado ao terceiro céu e ouvir coisas indizíveis, mas um espinho na carne, um mensageiro de Satanás para esbofeteá-lo, tem que ser a seqüela inevitável. Os homens não podem suportar felicidade sem mistura; mesmo os bons homens não estão habilitados ainda para terem "suas frontes cingidas de lauréis e murta", sem que sofra secreta humilhação para mantê-los no lugar próprio. Arrancados do solo em turbilhão por um avivamento, levados para as alturas pela popularidade, exaltados pelo sucesso na conquista de almas, seríamos como a palha que o vento dispersa, se a disciplina da graça e da misericórdia não quebrasse as naves da nossa vanglória com poderoso vento oriental, e não nos fizesse ir a pique, desnudos e desamparados, lançando-nos na Rocha dos Séculos.
Antes de alguma grande realização, certa medida da mesma depressão geralmente ocorre. Divisando as dificuldades que se nos antepõem, os nossos corações sucumbem dentro de nós. Os filhos de Enaque se agigantam diante de nós, e somos como gafanhotos aos nossos próprios olhos na presença deles. As cidades de Canaã são muradas até aos céus, e quem somos nós para esperar capturá-las? Estamos dispostos a largar as armas e a fugir o mais depressa possível. Nínive é uma grande cidade, e deveríamos fugir para Társis, e não ir ao encontro das suas ruidosas multidões. Já procuramos um navio que nos leve tranqüilamente para longe do terrível cenário, e só o medo do temporal refreia os nossos covardes passos. Foi esta a minha experiência quando no começo me tornei pastor em Londres.
O meu sucesso me aterrorizou; e a idéia da carreira que parecia abrir-se, muito longe de entusiasmar-me, lançou-me às maiores profundezas, das quais pronunciei o meu miserere e não achei lugar para cantar gloria in excelsis. Quem era eu para continuar liderando tão grande multidão? Queria ir para a minha obscuridade aldeã, ou emigrar para a América e encontrar um ninho no ermo onde fosse idôneo para as coisas que se exigissem de mim. Mas precisamente aí a cortina estava se levantando sobre a obra da minha vida, e temi o que poderia sobrevir. Eu espero que não tenha sido falta de fé, mas eu estava temeroso e completamente tomado pelo senso da minha inépcia. Estava com medo de uma obra que a Providência repassada da graça divina preparava para mim. Senti-me como simples criança, e tremi quando ouvi a voz que dizia: "Levanta-te, malha as montanhas, e faz delas palha".
Esta depressão me sobrevém sempre que o Senhor está preparando maior bênção para o meu ministério; a nuvem é negra antes de romper-se, e produz escuridão antes de entregar o seu dilúvio de misericórdia. A depressão passou a ser para mim como um profeta rusticamente vestido, um João Batista, anunciando a próxima vinda de bênçãos mais ricas do meu Senhor. Assim pensaram homens muito melhores. O brunimento do vaso aparelha-o para uso do Senhor. A imersão no sofrimento precede o batismo do Espírito Santo. O jejum abre o apetite para o banquete. O Senhor se revela no interior do deserto, enquanto o Seu servo cuida das ovelhas e o aguarda em solitário temor. O deserto é o caminho para Canaã. O fundo vale leva para a montanha altaneira. A derrota é preparativo para a vitória. O corvo é enviado antes da pomba. A hora mais escura da noite precede o raiar do dia. Os marinheiros descem às profundezas, mas a onda seguinte os faz subir aos céus; suas almas se derretem de angústia antes de serem trazidos por Ele ao porto desejado.
Em meio a uma longa tirada de trabalho ininterrupto, pode-se achar a mesma aflição. Não se pode dobrar o arco o tempo todo sem temer quebrá-lo. O repouso é necessário à mente tanto quanto o sono ao corpo. Nossos sabbaths – nossos domingos – são os nossos dias de trabalho, e se não descansarmos nalgum outro dia, ficaremos prostrados. Mesmo a terra precisa ficar sem lavradio e ter os seus períodos sabáticos; assim conosco. Daí a sabedoria e compaixão do nosso Senhor, quando disse aos Seus discípulos: "Vinde vós aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco". O quê?! Quando o povo está desfalecido? Quando as multidões estão como ovelhas nas montanhas sem pastor? E Jesus fala de descanso? Quando os escribas e fariseus, quais lobos vorazes, rondam o rebanho, leva Ele os Seus discípulos para um tranqüilo lugar de repouso? Algum zelote queimando como ferro em brasa denuncia esse atroz esquecimento das presentes e prementes necessidades? Deixe-o enfurecer em sua estultícia!
O Mestre sabe de algo melhor do que esgotar os Seus servos e extinguir a luz de Israel. O tempo de repouso não é tempo perdido. É economia juntar novas forças. Vejam o ceifeiro no dia de verão, com tanto que ceifar antes de pôr-se o sol. Faz pausa em seu labor. É preguiçoso? Busca a sua pedra e começa a esfregá-la para cima e para baixo em sua foice, soando "roque-froque, roque-froque, roque-froque". Essa música é ociosa? Estará ele desperdiçando preciosos momentos? Quanto poderia colher durante o tempo que passa tocando aquelas notas na lâmina da foice!
Mas ele está afiando a ferramenta, e conseguirá muito mais quando tornar a por força naqueles longos movimentos que fazem a erva cair prostrada em fiadas diante dele. Exatamente assim uma pequena pausa prepara a mente para prestação de maior serviço à boa causa. Os pescadores têm que consertar as suas redes, e de vez em quando nós temos que reparar o nosso desgaste mental e pôr o nosso maquinismo em ordem para serviços futuros. Mover o remo dia a dia, como o escravo das galés que não conhece dia de descanso, não presta para os mortais. A corrente que toca o moinho corre, e corre sempre, sem parar, mas nós necessitamos ter nossas pausas e nossos intervalos.
A quem pode ajudar ficar sem fôlego quando se continua a corrida sem interrupção? Mesmo os animais de carga devem ser deixados no pasto ocasionalmente; o próprio mar faz pausa na baixa-mar e na preamar; o solo guarda o sábado dos meses hibernais; e o homem, ainda quando elevado à posição de embaixador de Deus, ou descansa ou desfalecerá; ou limpa a sua lâmpada, ou terá luz fraca; ou reabastece a sua energia, ou ficará velho prematuramente. É sábio tirar férias ocasionais. Na contagem final, faremos mais, fazendo menos de vez em quando. Seguir no trabalho mais e mais, para sempre, sem recreação, pode servir para os espíritos emancipados deste "barro pesado", mas enquanto estivermos neste tabernáculo, temos que uma vez ou outra gritar, alto!! e servir ao Senhor mediante santa inação e consagrado lazer. Que nenhuma tenra consciência duvide da legitimidade de deixar o serviço ativo por algum tempo, mas aprenda com a experiência de outros a necessidade e o dever de fazer oportuno repouso.
Um golpe esmagador às vezes deixa o ministro muito abatido. O irmão em que mais se confiava torna-se um traidor. Judas levanta o calcanhar contra o homem que confiava nele, e o coração do pregador lhe falha na hora. Todos nós estamos prontos demais para ver uma arma carnal, e dessa propensão surgem muitas das nossas tristezas. O golpe é igualmente demolidor quando um honrado e estimado irmão se rende a alguma tentação, e leva à desgraça o santo nome pelo qual era chamado. Qualquer coisa é melhor do que isto. Isto leva o ministro a ansiar por uma cabana em algum vasto deserto onde possa ocultar a cabeça para sempre, e não ouvir mais as zombarias blasfemas dos ímpios. Dez anos de trabalho não tiram tanto da vida como o que perdemos em poucas horas por causa de Aitofel, o traidor, ou de Demas, o apóstata. As contendas, também, e as divisões, as calúnias e as críticas tolas, muitas vezes prostram santos homens e os fazem ir "como com uma espada nos ossos". As palavras duras ferem profundamente certas mentes delicadas. Muitos dos melhores ministros, pela própria espiritualidade do seu caráter, são excessivamente sensíveis – sensíveis demais para um mundo como este. "Um coice que mal move um cavalo, mata um bom teólogo."
Pela experiência a alma enrijece-se para os rudes golpes que são inevitáveis em nossa guerra; mas, no início, essas coisas nos abalam completamente e nos mandam para casa envoltos no horror de grandes trevas. As provações de um verdadeiro ministro não são poucas, e as que são causadas por crentes professos ingratos são mais duras de agüentar do que os mais grosseiros ataques de inimigos confessos. Oxalá nenhum homem que anda em busca de tranqüilidade mental e de quietude na vida entre no ministério; se o fizer, fugirá dele desgostoso.
A poucos toca passar pelo horror de densas trevas como o que me coube experimentar depois do deplorável incêndio ocorrido no Teatro Musical de Surrey. Senti-me oprimido além da conta e fora dos limites por um enorme fardo de miséria. O tumulto, o pânico, as mortes, estiveram dia e noite diante de mim e tornaram minha vida uma carga. Então cantei em meu pesar:
"O tumulto dos meus pensamentos
apenas aumentou minha aflição;
fana-se o espírito, e fica desolado
e débil o meu pobre coração".
Desse pesadelo de terror fui despertado num momento pela abençoada aplicação à minha alma do texto: "Deus com a sua destra o elevou". O fato de que Jesus continua sendo grandioso, sofram os Seus servos o que sofrerem, conduziu-me de volta à razão calma e à paz. Se tão terrível calamidade sobrevier a um dos meus irmãos, oxalá tenha paciente esperança e aguarde pela salvação de Deus.
Quando as aflições se multiplicam, e os desencorajamentos se seguem uns aos outros em longa sucessão, como mensageiros de Jó, daí, também, em meio à perturbação da alma ocasionada pelas más notícias, o desânimo despoja o coração de toda a sua paz. O constante gotejar dissolve pedras, e as mentes mais bravias sentem-se corroídas pelas repetidas aflições. Se um guarda-comida escassamente suprido é provação agravada pela doença da esposa ou pela perda de um filho, e se as observações nada generosas dos ouvintes vêm seguidas pela oposição dos presbíteros e pela frieza dos membros da igreja, então, como Jacó, somos capazes de lamentar: "Todas estas coisas vieram sobre mim". Quando Davi retornou a Ziclague e viu que a cidade fora queimada, os seus bens foram saqueados, suas esposas foram raptadas, e as suas próprias tropas estavam prontas para apedrejá-lo, lemos: "Davi se reanimou no Senhor seu Deus". E foi bom para ele agir assim pois, do contrário, teria desfalecido se não cresse que veria a bondade do Senhor na terra dos viventes.
Angústias acumuladas aumentam o peso umas das outras; dão-se as mãos e, como bandos de salteadores, destroem brutalmente o nosso conforto. Onda após onda é trabalho duro para o nadador mais vigoroso. O lugar em que dois mares se encontram força demais a quilha mais navegável. Se houvesse uma pausa sistemática entre as bofetadas da adversidade, o espírito ficaria prevenido; mas quando vêm súbita e pesadamente, como pancadas de saraiva grossa, bem pode acontecer que o peregrino fique aterrorizado. O último grama da carga quebranta o lombo do camelo, e quando esse último grão é lançado sobre os nossos lombos, por que espantar-nos se por um pouco de tempo ficamos prontos para render o espírito?!
 Este mal também nos atinge sem que saibamos a razão, caso em que é a coisa mais difícil eliminá-lo. Não se pode arrazoar com depressão desmotivada. Tampouco pode a harpa de Davi encantá-la e expulsá-la com os seus suaves argumentos. É como lutar com o nevoeiro, enfrentar esta situação informe, indefinível e trevosa de desamparo. Nem a gente mesmo tem dó de si neste caso, porque parece irrazoável, e até pecaminoso, ficar angustiado sem causa evidente; e, todavia, o homem está deveras angustiado, no mais profundo do seu espírito. Se os que se riem dessa melancolia apenas sentissem por uma hora a sua dor, o riso deles seria silenciado pela compaixão. Uma disposição resoluta poderia talvez sacudi-la de nós, mas onde poderíamos achar resolução quando todo o ser está frouxo?
O médico e o pastor podem unir as suas habilidades nesses casos, e ambos se vêem de mãos ocupadas, e mais que ocupadas. O ferrolho de metal que tão misteriosamente tranca a porta da esperança e mantém os nossos espíritos em tétrica prisão, requer mão celestial que o force a abrir-se; e quando se vê essa mão, clamamos com o apóstolo: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus" (2 Coríntios 1.3-4). É o Deus de toda a consolação que pode:
"Com doce e esquecido antídoto varrer do
pobre peito o perigoso entulho
que pesa no coração".
Simão afunda enquanto Jesus não o toma pela mão. O demônio no interior do ser rasga e fere a pobre criança enquanto a palavra de autoridade não lhe ordena que saia dela. Quando nos dominam horríveis temores, e nos vemos prostrados por intoleráveis demônios da noite, só precisamos que surja o Sol da Justiça, e os males gerados em nossas trevas serão expulsos; entretanto, nada menos que isto porá em fuga o pesadelo da alma. Timothy Rogers, autor de um tratado sobre a melancolia, e Simon Browne, escritor de alguns hinos notavelmente belos, experimentaram em seus próprios casos como é vão o socorro do homem, se o Senhor retirar a luz da sua alma.
Se se perguntar por que tantas vezes os servos do Rei Jesus têm que atravessar o Vale da Sombra da Morte, a resposta não está longe. Tudo isso promove o modo de agir do Senhor, que se resume nestas palavras: "Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor". Os instrumentos serão empregados, mas a sua fraqueza intrínseca se manifestará claramente; não se fará nenhuma divisão da glória, nenhuma diminuição da honra devida ao Grande Trabalhador. O homem será esvaziado de si, e depois será enchido do Espírito Santo. Em sua própria apreensão do fato, ele será como uma folha seca levada pela tempestade, e depois será fortalecida transformando-se num muro de bronze contra os inimigos da verdade. Encobrir ao obreiro o orgulho é a grande dificuldade. O sucesso ininterrupto e a alegria inapagável por ele iriam além do que as nossas cabeças podem suportar. Nosso vinho tem que ser misturado com água, se não, transtorna os nossos miolos.
Meu testemunho é que os que são honrados pelo Senhor em público, geralmente têm que sofrer castigo secreto, ou têm que carregar uma cruz peculiar, a fim de que de algum modo não se exaltem a caiam no lago do diabo. Com que freqüência o Senhor chama Ezequiel de "Filho do homem"! Em meio aos seus vôos penetrando esplendores superlativos, exatamente quando, com os olhos límpidos, é capacitado a contemplar a glória sublime, a expressão "Filho do homem" cai em seus ouvidos, serenando o coração que, de outra forma, poderia intoxicar-se com a honra a ele conferida. Tais mensagens humilhantes mas salutares murmuram aos nossos ouvidos as nossas depressões; falam-nos de maneira inequívoca que somos apenas homens, frágeis, débeis, sujeitos a desfalecer.
Mediante todos os tombos dos Seus servos, Deus é glorificado, pois eles são levados a engrandecê-lo quando Ele os coloca a Seus pés, e precisamente quando prostrados no pó, sua fé lhe rende louvor. Falam com o maior dulçor da Sua fidelidade, e ficam firmados com a maior solidez em Seu amor. Homens amadurecidos assim, como são alguns idosos pregadores, dificilmente ter-se-iam produzido se não tivessem sido esvaziados vaso a vaso, e não tivessem sido levados a ver a sua própria vacuidade e a vaidade de todas as coisas que os cercam. Glória seja dada a Deus pela fornalha, pelo malho e pela lima. O céu estará todo cheio de bem-aventurança porque nos enchemos de angústia cá embaixo, e a terra será mais bem cultivada por causa do nosso treinamento na escola da adversidade.
A lição da sabedoria é: não desfaleçam pela aflição de alma. Não a considerem coisa estranha, mas parte da experiência ministerial comum. Se o poder da depressão for extraordinário, não pensem que toda a sua utilidade está perdida. Não repudiem a sua confiança, pois terá por prêmio grande recompensa. Mesmo que o pé do inimigo esteja sobre os vossos pescoços, tenham esperança de levantar-se e dominá-lo. Lancem o fardo do presente, o pecado do passado e o medo do futuro, todos juntos, aos cuidados do Senhor, que não abandona os Seus santos. Vivam o dia presente – sim, a hora. Não ponham confiança em disposições de espírito e em sentimentos. Atentem mais para um grão de fé que para uma tonelada de agitação emocional. Confiem em Deus somente, e não se inclinem a ceder às necessidades de ajuda humana.
Não se surpreendam quando os amigos falharem com vocês: este é um mundo falho. Jamais contem com a imutabilidade dos homens; com a inconstância vocês podem contar sem temer decepção. Os discípulos de Jesus O abandonaram; não se espantem, então, se os vossos adeptos se apartarem indo atrás de outros mestres: como não eram tudo o que vocês tinham quando eles estavam em vossa companhia, nem tudo vos deixou quando partiram.
Sirvam a Deus com todas as suas forças enquanto arde a candeia, e depois, quando se apagar por algum tempo, terão o mínimo para lamentar. Contentem-se em nada ser, pois é o que são. Quando a vacuidade oprimir dolorosamente a consciência, ralhem consigo mesmos, lembrando-se de que nunca sonharam estar cheios, exceto no Senhor. Dêem pouco valor às recompensas atuais; sejam agradecidos pelos pequenos prêmios recebidos durante o percurso, mas busquem a recompensadora alegria vindoura.
Continuem servindo ao Senhor com redobrado fervor quando não se lhes apresentar nenhum resultado visível. Qualquer simplório pode seguir pelo caminho estreito na luz; a rara sabedoria da fé nos capacita a prosseguir no escuro com precisão infalível, visto que ela põe a mão na do Grande Guia. Entre este ponto e o céu ainda poderá ocorrer mau tempo, mas o Senhor da aliança tomou providências para tudo. Em nada saiamos do caminho que a vocação divina induziu-nos a seguir. Bom ou ruim, o púlpito é nossa torre de vigia, e o ministério é a nossa guerra; compete-nos, quando não pudermos ver o rosto de Deus, confiar à sombra das Suas asas.



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